Edição
Revista: Colecionista supervaloriza seus objetos
Geraldo
de Andrade Ribeiro Júnior fala um pouco do universo dos selos
e conta a história do país que sobrevivia da venda destes
postais nos anos 60
Piracicaba
é uma cidade em condições privilegiadas. Detém
tecnologia de ponta no setor sucroalcooleiro. Além das empresas
gigantes que operam na área mecânica e metalúrgica,
voltadas a esse setor, existem inúmeras empresas de médio
e pequeno porte, que se espalham pelo município gerando recursos
para a cidade e região. Um grande leque de diversificação
de atividades está se abrindo; com isso, a cidade oferece uma
gama enorme de produtos e serviços nos mais variados campos.
Essa abrangência permitirá com que a cidade futuramente
não seja dependente de oscilações externas de um
único segmento de mercado. O município tem reconhecidas
características para fazer do turismo uma fonte de receita significativa.
Ainda engatinha nesse setor. Mas se a renda gerada pelo turismo é
atraente, o nível do serviço vai melhorar aos poucos,
porque 'não admite nenhuma falha'. A chave para atrair o turista
chama-se cultura, que traz como subproduto a possibilidade do piracicabano
ter acesso a um grau maior de conhecimento intelectual. São exemplos
disso: a comemoração dos 100 anos da imigração
japonesa, realizada na Estação da Paulista; a Paixão
de Cristo é outro exemplo; a Festa das Nações,
que começou a ganhar características de mega evento; o
Salão de Humor é outro magnífico exemplo de turismo
cultural qualificado, entre outros. O jornalista João Umberto
Nassif entrevistou no programa Piracicaba - Histórias e Memórias
(Educadora AM 1060), o juiz internacional Geraldo de Andrade Ribeiro
Júnior. Entre outros temas, ele destaca a primeira exposição
da América do Sul com selos de 1 Quadro, realizada em Piracicaba,
numa parceria que envolveu o Clube Filatélico e Numismático
de Piracicaba, o Teatro Municipal e os Correios.
O
senhor é natural de qual localidade?
Nasci em Franca, em 19 de julho de 1952. Resido há mais de 30
anos em São Paulo. Sou engenheiro civil, presidente da Federação
Paulista que reúne 20 clubes do Estado de São Paulo e
presidente da Associação Brasileira de Filatelia Temática.
Quando
despertou o seu interesse pela filatelia?
Meu pai era filatelista, desde pequeno já tive contato com a
filatelia. Há uma idéia pré-concebida de que o
filho de filatelista não seja filatelista. Isso porque o pai
impõe certas restrições ao acesso da criança
aos selos. Um zelo para que o selo não seja estragado pela criança.
Com isso, o filho acaba pegando bronca daquilo. No meu caso, meu pai
permitia o meu acesso aos selos e com isso fui pegando o gosto pela
área. Em 2009 farei 50 anos de filatelia! A minha primeira exposição
foi em 1959, esta aqui que estamos realizando em Piracicaba é
a minha 138ª participação.
Como
era a reação da sua mãe pelo fato do seu pai ser
filatelista?
Toda mulher, não só na filatelia, mas em qualquer hobby,
acha que o homem se dedica mais ao hobby dele do que a outras atividades.
A mulher, de uma forma geral, tem ciúmes da atenção
que o marido dá ao seu hobby. Qualquer coleção
que é feita com paixão, qualidade, dedicação
requer tempo, e o dia tem 24 horas somente! Esse tempo é tirado
do tempo de convívio com a família. Não é
praticado no tempo em que o indivíduo está trabalhando.
As mulheres têm um ciúme terrível desse tempo que
dedicamos ao hobby. Elas devem entender que não estamos fazendo
coisas erradas, estamos trabalhando com uma atividade cultural, salutar,
e tudo isso dentro de casa!
Qual
é a importância da exposição realizada em
Piracicaba?
Piracicaba tem uma longa tradição, mais de um século
em filatelia. E já teve uma exposição nacional
em 1967. Agora, 41 anos depois volta a ter uma exposição
nacional Essa exposição é muito importante por
abrir um novo espaço em filatelia. Essas coleções
de '1 Quadro' são uma nova porta de entrada para a filatelia.
O
que é uma exposição de 1 Quadro?
Por regras pré-estabelecidas, uma coleção de selos
tem que ter no mínimo 80 páginas no tamanho A-4, para
que seja enquadrada como coleção. São no mínimo
cinco painéis. Essa é a definição universal.
Só que muita gente não conseguia montar os cinco painéis.
Com isso, ficava adiando a montagem por meses, anos. A exposição
realizada em Piracicaba está abrindo a possibilidade de que o
expositor participe com apenas 1 Quadro. É a Primeira Exposição
Nacional de 1 Quadro realizada no Brasil.
Quantos
expositores vieram com seu material para Piracicaba?
São 58 expositores, representando oito estados brasileiros. Temos
a participação de filatelistas do Rio de Janeiro, Bahia,
Minas Gerais, Distrito Federal, Ceará, Pernambuco e outros estados.
Nessa
exposição há uma carta de mais de quinhentos anos?
É uma carta do Século XVI. Ela está em uma exposição
de 1 Quadro de Cartas pré-filatélicas. A filatelia começou
em 1840, quando a Inglaterra lançou o primeiro selo. Antes de
1840 é chamada de pré-filatelia. Desde que o mundo existe,
o homem se comunica, quando inventaram o papel a comunicação
passou a ser feita pelo papel. Já na Idade Média havia
correio organizado, havia cartas.
No
Brasil o correio começou a funcionar quando?
Simbolicamente a carta de Pero Vaz de Caminha é primeira escrita
no Brasil. Como éramos colônia, as regras do correio de
Portugal valiam para o Brasil. Em 1750, 1760, é que se tem correio
organizado em Ouro Preto, Rio de Janeiro e São Paulo. Só
no final do Século XVIII que se teve uma organização
de correio.
Qual
é o primeiro selo oficial do Brasil?
É o famoso olho-de-boi. Ele é famoso por ser o primeiro,
e recebe esse nome por parecer um olho de boi. Não é o
mais caro, nem tão raro, mais é o mais famoso.
O
que motiva a pessoa a ser filatelista?
Os psiquiatras afirmam categoricamente que colecionar é normal,
salutar. Quem não coleciona alguma coisa tem algum problema!
Isso são eles que dizem, eu apenas repito! As mulheres, embora
neguem peremptoriamente, colecionam sapatos, roupas. O ato de colecionismo
é normal, salutar. Os grandes acervos do mundo inteiro começaram
com ajuntamento de coleções de pessoas. Todo grande museu
começou com coleção que vieram de pessoas.
Existe
o risco de ser compulsivo?
Toda a atividade humana pode oferecer esse risco. Existe o indivíduo
compulsivo por sexo, o jogador compulsivo. Isso é uma condição
do ser humano. Seja no colecionismo, no jogo, isso é uma característica
própria do indivíduo. A filatelia não está
imune a isso.
Existem
casos quase folclóricos de colecionadores que realizam peripécias
para conseguir o objeto do seu desejo?
Há pessoas que vende bens de sua propriedade para conseguir comprar
determinado selo ou envelope com um carimbo de uma cidade. Há
outras pessoas que restringem suas despesas pessoais para adquirir determinada
peça. Existe muito folclore também. Como pessoas que possuem
uma pequena coleção de selos, freqüentam o meio filatélico,
acham que aquela sua coleção tem um valor extraordinário.
Dizem para a esposa que aquela coleção vale uma fortuna.
Ele um dia falece, a viúva vai vender e descobre que a tão
comentada coleção não vale mais do que 50 ou 100
reais! Na realidade o falecido vivia em uma ilusão de que a sua
coleção valia uma fortuna, que ele era proprietário
de uma magnífica amostra de peças raras. O colecionista,
isso em todas as áreas, tem o habito de supervalorizar seus objetos
de coleção. Sempre o nosso filho é o mais bonito!
O
senhor exerce a função de juiz nas exposições,
julgar coleções de amigos é uma situação
bastante delicada?
Comecei muito cedo atuando como juiz, foi aos 26 anos. Essa é
a minha qüinquagésima exposição. Para ser
jurado tem que ter conhecimento sobre o tipo de coleção
que irá julgar, participa de um júri como jurado observador,
aprovado pelos colegas, realiza provas. Sou jurado da Federação
Paulista, Brasileira e Internacional. Vou julgar na Europa, Argentina,
ou seja, onde houver necessidade.
Como
é o colecionador europeu?
Colecionador é colecionador em qualquer parte do mundo. Na Europa
há mais disciplina, mais profissionalismo. Há um calendário
muito organizado. Aqui no Brasil não sabemos o calendário
do ano que vem. Não é porque não queremos, mas
é porque dependemos dos painéis do Correio. O grande apoio
que o Correio nos dá são os painéis. O resto é
por nossa conta. Com isso, não sabemos se poderemos marcar exposição
para março ou para agosto, isso por que não sabemos se
o Correio emprestou para alguém nesse mês. Temos grandes
dificuldades em ter organização aqui no Brasil.
Existe
alguma subvenção para o colecionador na Europa?
Na Europa os correios subvencionam as federações. Por
exemplo, a Federação Portuguesa tem um contrato de, digamos,
100 mil euros. Eles têm a obrigação de realizarem
as exposições. Com esse dinheiro eles adquiriram um pequeno
caminhão, compram os painéis, e saem fazendo exposições
itinerantes. Em um ano realizam dezenas de exposições.
Isso proporciona o desenvolvimento da filatelia. No Brasil, para marcarmos
uma reunião com o Correio visando realizar uma exposição,
pode demandar meses para que essa reunião ocorra. Já fui
julgar exposições na Rússia. Eles estão
emergindo agora. Até o período em vigorava o regime anterior
eles só podiam fazer coleções com selos da União
Soviética. Não podiam realizar a troca de selos com outros
países, era considerada uma corrupção ideológica.
A China tem muitos colecionadores e está desenvolvendo e incentivando
muito.
A
filatelia é um bom negócio para o Correio?
O Correio paga frações de centavos para emitir um selo.
Ao colocar à venda no balcão, o filatelista adquire aquele
selo e o leva para casa. O correio está simplesmente vendendo
um papel estampado. Nesse caso ele não presta serviço.
Se um cliente adquirir esse mesmo selo e postar uma carta para o interior
do Amazonas, essa carta será manipulada em Piracicaba, irá
para o centro de distribuição de Piracicaba, para o centro
de triagem de Piracicaba. Seguirá em um caminhão com destino
a São Paulo. Em São Paulo passará pela triagem
e embarcada em um caminhão com destino ao aeroporto de Guarulhos.
Colocada em um avião será entregue em Manaus, onde passará
por uma triagem. Colocada em um barco, dali a uma semana será
entregue ao destinatário no interior do Amazonas. Quanto custa
isso para o correio? Muito mais do que o valor do selo! Incentivar em
vender esse "papel" pintado chamado selo é uma atividade
feita pelo Uruguai e Paraguai. O Brasil não incentiva essa atividade.
O correio dá lucro em todos os países. No Brasil o lucro
do Correio era cinco por cento do faturamento global. Um valor altamente
significativo. Hoje é de um por cento, ou até menos. O
Correio parou de investir na filatelia.
Com
o advento da internet, surgiu o e-mail, isso motivou a diminuição
de correspondências?
A correspondência pessoal diminuiu. A comercial muitas vezes implica
na remessa de documentos, que exige a remessa física dos mesmos.
Por outro lado, a internet proporcionou o aumento das vendas pelo meio
eletrônico, essas encomendas são enviadas pelo correio.
Isso compensou, e muito. Os namorados mandam e-mails. Mas quando o namorado
envia um presente isso é feito pelo correio.
Existe
um caso famoso de um país que vivia da emissão de selos?
Não há limites para a picaretagem. Um indivíduo
montou uma plataforma no oceano, utilizando metais e madeira. Lá
ele criou uma "República". Hasteou uma bandeira, e
emitiu selos. Ele ia pouco a "República" dele. Os selos
foram impressos por uma gráfica norte-americana. Após
a emissão dos selos ele os vendeu em lojas especializadas. Isso
foi em 1960, na ocasião surgiram muitos países novos na
África. Não havia a internet, portanto era factível
achar que o selo daquele "país" que ficava em uma plataforma
em mar aberto, também pudesse ser um novo país! Com isso,
o criador dessa nação fictícia vendeu muito selo
no mundo todo. O mais interessante é que quando o Presidente
Kennedy tomou posse nos EUA, o dono do "país-plataforma"
mandou uma correspondência, em papel timbrado da sua "nação".
A Casa Branca recebeu milhares de cartas congratulando a posse do presidente.
O protocolo enviou resposta a cada um agradecendo. Ao receber a carta
de Washington, o proprietário do "país" a colocou
em uma moldura e passou a afirmar que se os Estados Unidos o reconhecia
como nação, quem iria ser contra a decisão da grande
potência? Institucionalizou-se a picaretagem! Há também
grupos de comerciantes de selos europeus que criam países fictícios
na Ásia, determinadas ilhas. Eles colocam esses selos à
venda em bancas de jornal. Desovam milhões de selos. Isso não
é filatelia. Tem que ser selo emitido por um país reconhecido
pela ONU.